A lei Federal nº11.888/2008 que estabelece a Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS) garante que famílias com renda de até três salários mínimos tenham direito de acessar os serviços de assistência técnica de Arquitetura, Urbanismo e Engenharia de forma pública e gratuita, para construção ou reforma de suas casas. Esta Lei, também conhecida como a Lei da ATHIS, se baseia no princípio da moradia enquanto um direito humano básico conforme estabelecido pela nossa Constituição Federal.
Para quê serve a Lei de ATHIS?
Conforme pesquisa feita em 2015 pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) junto ao Datafolha, 85% das pessoas que constroem ou reformam no Brasil não utilizam os serviços técnicos de arquitetos, urbanistas e engenheiros. E, apesar da discussão sobre a temática e da implementação da lei terem tido algum crescimento desde a pesquisa, o campo ainda é pouco estruturado em termos de legislações, regulamentações e recursos financeiros que viabilizem ações em maior escala. Por isso também, o direito estabelecido em lei ainda é pouco difundido e conhecido pelas famílias brasileiras, que muitas vezes não sabem que poderiam acessá-lo.
De acordo com mapeamento também realizado pelo CAU, foram contabilizados 29 municípios brasileiros que possuem suas próprias legislações municipais de ATHIS. Uma porcentagem ainda muito pequena perante os mais de 5500 municípios brasileiros. É importante ressaltar essa questão pois, ainda que a lei federal respalde as ações em todo o território do país, quem legisla, gere e fiscaliza o uso do solo nas cidades é a instância municipal e, portanto, a existência de uma legislação local facilita enormemente a implementação de políticas e planos para a ATHIS.
Em sua pesquisa de mestrado, a arquiteta Mariana Borel estudou 9 desses municípios que possuem legislação de ATHIS e analisou a estrutura de suas leis, decretos de regulamentação e as políticas implementadas. Algumas características se repetem de forma geral e apontam questões complexas, tais como: excesso de burocracia para o acesso dos cidadãos; exigência de documentos formais como os de posse ou matrícula cartorial do imóvel; critérios de elegibilidade rígidos e excludentes entre si; limitação ao atendimento individual familiar apenas; limitação a um único acesso à política; concentração de verbas apenas nos recursos municipais, sem apoio federal; ausência de recursos para a execução das obras propriamente ditas; métodos de trabalho focados na atuação profissional e, portanto, com pouco espaço para participação popular; dentre outros, que podem ser entendidos na leitura do trabalho.
O foco principal da Lei da ATHIS é beneficiar famílias de baixa renda que não teriam recursos para contratar os serviços profissionais por conta própria e, assim, apoiá-las tecnicamente nas construções e reformas de suas casas. Esse suporte, especialmente quando realizado de forma participativa e respeitando as especificidades do público e seu contexto de vida, tem o potencial de fortalecer os cidadãos e incidir em moradias mais seguras e com mais qualidade para as famílias. Somado a isso, pode incidir também em maior segurança no direito à moradia por meio das ações de regularização das construções, também previstas na lei federal.
Arquitetura na Periferia e a ATHIS.
A Arquitetura na Periferia atua de forma independente e desvinculada das políticas de ATHIS a partir de um método de assessoria técnica (optamos pela terminologia “assessoria” e não “assistência) que tem como cerne o entendimento de que as transformações do espaço são oportunidades e caminhos para a promoção de transformações sociais. Nesse sentido, o método de trabalho que desenvolvemos tem um caráter processual e pedagógico que objetiva fortalecer e capacitar mulheres para que tenham mais informações em suas tomadas de decisão e, assim, maior segurança no planejamento, gestão e construção de suas próprias casas.
Além de viabilizar o acesso gratuito aos serviços técnicos de arquitetura e urbanismo, as ações do projeto consistem também em catalisar e fortalecer a autonomia das mulheres assessoradas, considerando suas capacidades já existentes e o desenvolvimento de novas. Portanto, ao invés de apenas elaborar produtos prontos (sejam projetos ou obras), buscamos alimentar os processos de aprendizagem que deixam um legado a longo prazo para as mulheres e grupos e que repercutem também nos territórios que habitam. Buscam com isso, ampliar as possibilidades e o imaginário criativo; discutir, testar, desenvolver e avaliar soluções técnicas viáveis; estimular a consciência histórica de grupos e localidades; e problematizar as disputas de forças e opressões que incidem diretamente sobre a produção do espaço, conforme propõem Kapp e Baltazar (2016).
As formulações teórico-conceituais que embasam o método AnP estão disponíveis na dissertação de mestrado da arquiteta Carina Guedes. Se quiser um resumo mais objetivo sobre assessoria técnica, temos um e-book disponível onde apresentamos mais sobre a lei federal e como a AnP trabalha.